terça-feira, 23 de maio de 2023

O RACISMO E A INJURIA RACIAL: UMA VISÃO ATUAL DO ESTADO BRASILEIRO

 

Carlos Lívio Do Nascimento Zuzarte*


Esse artigo opinativo foi elaborado com escopo de trazer ao público leitor uma literatura histórico-comparativa e jurídica sobre a Visão Atual do Estado brasileiro no que toca o racismo e a injúria racial, a evolução histórica dos artifícios que atestaram condutas racistas e injuriosas no Brasil e a legislação pertinente a esse assunto, discutindo os fundamentos históricos e conceituais sobre a aproximação entre a legislação brasileira no tocante a temática. Este estudo que traz ao autor imensa felicidade pois, com essas informações, lhe foi dado oportunidade de aprendizado e entender como funcionou e como funciona o racismo e a injúria racial e a busca de soluções pacificas para coibir agressores dando lugar para as adequações e reparações históricas em benefício da população negra em solo brasileiro. Dessa forma propõe o autor uma ponte de conhecimento para aqueles que se rendem ao tipo de pesquisa e na área que se faz um passeio nos caminhos de proteção constitucional e infraconstitucional no sistema integrado de relações raciais no Estado brasileiro.

RESUMO

Com intuito de quebrar a insegurança da população negra que fora considerada com naturalidade por meio de acontecimentos desumanos e degradantes, com tantos séculos de exclusão social e de catástrofes que dilaceraram famílias, culturas, linguagens e crenças, que se sustentam e mantém em suas raízes históricas, uma demografia contra resistência do povo preto, que perpetuam uma ausência por ter suas origens entrelaçadas com uma etnia tida por séculos como uma raça escrava, que não haveria lugar para privilégios senão a escravidão. Em tempos atuais, muitos anos depois da libertação dos escravos no Brasil, ainda continuaram com a separação e negação de raças, mesmo que alguns entendam que raça é única, ou seja, a raça humana, mas não é assim a realidade, pois ainda veem o povo negro como seres inferiores, incompetentes e indolentes, devido a discriminação racial incorporada no seio da sociedade. Contudo, cediço que tudo que vem da ancestralidade africana é mal vista, e buscando representatividade, como também, reparações históricas para obter os mesmos direitos que gozam a etnia dominante do Brasil, onde mesmo libertos passaram a ser vistos como uma população marginalizada, se indaga: o que foi feito para o progresso e desenvolvimento dessa população que fora fundamental para o sistema econômico, político, social, cultural, do Estado Brasileiro? Partindo desta observação, por meio deste estudo percorreu-se na história, sobre fatos notórios e na legislação desde a internacional às nacional, as informações que esclarecessem a dificuldade da população negra brasileira de ter acesso aos mesmos espaços e as possibilidades de se tornarem integrantes desse país, pois pela Lei Maior brasileira a proteção legal é para todos sem distinção de qualquer natureza, portanto, busca-se neste artigo os motivos pelo qual entenderam a necessidade de qualificar a injúria, um crime inicialmente contra honra que, era vista nos termos do artigo 140 do Código Penal Brasileiro, equiparando-a como o racismo.


Palavras – Chaves: População; Negra; Brasil; Raça; Racismo; Injúria.


ABSTRACT


In order to break the insecurity of the black population that had been considered natural through inhuman and degrading events, with so many centuries of social exclusion and catastrophes that have torn apart families, cultures, languages and beliefs, which are sustained and maintained in their historical roots , a demographic range against its resistance, which perpetuate the absence by having their origins intertwined with an ethnic group considered for centuries as a slave race, which would have no place for privileges other than slavery. In current times, many years after the liberation of slaves in Brazil, they still continued with the separation and denial of races, even if some understand that race is unique, that is, the human race, but this is not the reality, because they still see black people as inferior beings, incompetent and indolent, due to racial discrimination incorporated within society. However, I admit that everything that comes from African ancestry is frowned upon, and seeking representation, as well as historical reparations to obtain the same rights enjoyed by the dominant ethnic group in Brazil, where even freedmen came to be seen as a marginalized population, which Was it done for the progress and development of this population that was fundamental to the economic, political, social, cultural system of this Brazilian State? Starting from this observation, through this study, we covered in history, on notorious facts and in legislation from the international to the national, the information that clarified the difficulty of the Brazilian black population to have access to the same spaces and the possibilities of becoming members of this country, because by the Brazilian Major Law, legal protection is for everyone without distinction of any nature, therefore, this article seeks the reasons why they understood the need to qualify the injury, a crime initially against honor that, was seen in the terms of the article 140 of the Brazilian Penal Code, equating it with racism.


Keywords: Population; Black; Brazil; Race; Racism; Injury.


INTRODUÇÃO.


O presente artigo exibe uma análise conceitual sobre racismo e injúria racial por equiparação, priorizando apurar dados históricos e comparação com as leis para levantar um reconhecido construído de motivos que levaram a alteração da Lei 7.716/89, discutir os fundamentos históricos e conceituais sobre a temática sempre acentuando comparações do passado com o presente delimitado ao tempo da sanção e promulgação da Lei 14.532/2023, partindo desta observação em busca de uma leitura contemporânea para, assim, promover formulações que melhor justifiquem as mudanças nessa alteração legislativa que atende a mutação cultural percorrida em contraponto da retribuição jurídico penal que a lei proporciona de forma material e processual alcançando uma nova ordem de afirmações consequenciais de que o Estado Brasileiro está se transformando e amadurecendo as ideias antirracistas objetivando aos ideais constitucionais igualdade perante a lei, sobretudo, partindo do ponto que por meio da equidade o país pode trabalhar como meta de um Estado soberano livre, justo e solidário. Buscando a igualdade e equidade de condições ou de preenchimento dos mesmos requisitos que a etnia dominante tem de acesso aos espaços considerados privilegiados, bem como análise das regras jurídicas desde o apontamento de normas internacionais para com a observação das normas infraconstitucionais brasileiras abordando sua aplicabilidade em caso de evidente violação dos direitos humanos fundamentais que defendem a isonomia entre as raças e que enfrentam nestas relações raciais a desigualdade, a discriminação de raça, cor, sexo, origem religião e procedência religiosa e correlatas.

Diante da trajetória legislativa em paralelo com a evolução e resistência dos Povos e Comunidades tradicionais, negros, indígenas e outras minorias étnicas, existe proteção constitucional e infraconstitucional no sistema brasileiro contra o racismo e injuria racial?

Este estudo se desenvolveu partindo do questionamento baseado nas indagações diante da Lei 14.532/2023, com as novas alterações da Lei 7.716/89, que, partindo da observação penal e cultural do povo brasileiro, há necessidade ou não dessa regulamentação? - Isso deve ou não influir na proteção dos vitimados do sistema racial brasileiro? - A Constituição Federal de 1988 e outras Leis estabelecem parâmetros protetivos dos direitos e garantias individuais e coletivos, essa proteção é veementemente exercida ou não? - diante destas hipóteses que gera insegurança é que o estudo apresentado visa esclarecer.

Este artigo tem como objetivo geral analisar a oportunidade de proteção do povo negro em específico, com essa cobertura na legislação se pode afirmar como ação de bloqueio de atos racistas através da atuação do sistema legislativo brasileiro, incentivar a integração e a isonomia entre as diversas etnias, evidenciar as formas de cobertura civil e penal nos casos enfrentados sobre racismo e injúria racial a partir dessa mudança legal.

O presente artigo vai tratar à importância dada, no meio doutrinário que pouco trata do tema no ponto de vista jurídico, onde é cediço que se tem tratamento maior como Teoria Social. Se intui a direcionar novas formas de enfrentamento destas discriminações, agora mais objetiva no meio jurídico, que demonstra a relevância acadêmica do presente artigo. A pesquisa evidencia o caráter instigante, problemático das legislações observadas, que a pouco vem sendo discutida na literatura jurídica em virtude das decisões dos Tribunais Superiores sobre o tema e as novas tendências de busca da proteção individual e coletiva para as vítimas, bem como meio mais severos de punição aos agressores, para defesa dos direitos humanos desses vitimados. Este estudo buscará, portanto, colaborar com a discussão do tema, proporcionando mais fontes de pesquisa para possíveis e futuros estudos, e, principalmente, como fonte para os aplicadores do Direito. Para auxiliar na busca pela resposta do escopo levantado, portanto, torna-se necessário rever algumas questões disciplinadas pela legislação específica, visando à proteção legal das raças.

O método de abordagem adotado nesta pesquisa foi o exploratório, sendo assim, a partir dos fatos de origem generalizada devido a constatação da falta de informação pormenorizada dos acontecimentos que marcaram e marcam a história do negro no Estado brasileiro, para esta pesquisa foi utilizado o método dedutivo, visto que o assunto abordado é fato existente e generalizado, devendo ser delimitado aos fatos particulares que foram citados anteriormente, com a tentativa de chegar a uma conclusão, se veementemente estamos caminhando para uma nova ordem de equidades e reparações históricas. Os métodos auxiliares apresentados para o estudo foram: Comparativo e o Histórico, visualizando a mudança na legislação sobre o alcance legislativo e se vale sentir como uma vitória essa alteração legal para população negra. A técnica de pesquisa científica utilizada foi à bibliográfica, baseada em obras jurídicas, códigos, artigos que tratam sobre o assunto, tanto em revistas impressas quanto digitais, na internet, e etc.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS E HISTÓRICAS.


É preciso um resumo histórico comparativo para podermos responder sobre o motivos que levaram a aplicação de mudanças legislativas objetivando justificar medidas normativas que intensificam a punir agressores e como consequência transformar a sociedade moldando sua postura sobre as relações raciais.

Nestas considerações iniciais, o que foi feito para o progresso e desenvolvimento da população negra que fora fundamental para o sistema econômico, político, social, cultural, desse Estado Brasileiro?

Todos nós sabemos como fatos notórios que a desigualdade racial está intimamente ligada a escravização brasileira numa duração de mais de 300 anos. A iniciação dessa forma de utilizar pessoas como propriedade para uso, gozo e fruição, partiu-se contra os povos originários, senhores das terras denominada de Brasil, qual sejam, os indígenas, e, seguiram com essa forma de se sobrepor entre as demais etnias com a dos africanos.

É cediço como fato notório que o estabelecimento no Brasil da escravidão foi por volta de 1530 pelo processo de colonização Portuguesa.

O que se evidencia no período histórico dessa escravização como seu objetivo maior era o desenvolvimento e fortalecimento econômico. A exigência da época era obter trabalhadores braçais.

Foi preciso viver as maiores atrocidades da humanidade para entender que nos quatro séculos como, o XVI, XVII, XVIII e XIX foram marcados pelas terríveis tragédias humanas através das teorias que impulsionaram o colonialismo, imperialismo, liberalismo, capitalismo e fascismo.

Por conta dessas ideias, outras surgiram com propósitos de manutenção de poderes e imposições de padrões que conduziriam a separação dos serem humanos através de sua raça e etnia, assim como aconteceu com os indígenas e africanos.

Afunilando o assunto para somente expressar os acontecimentos que marcaram e marcam com profundas cicatrizes o povo africano seus descendentes, algo deve ser registrado sobre o que foi o Estado Brasileiro ao povo africano dentro de seus limites territoriais.

Nós começamos a análise por meio de algumas legislações que foram implantadas como a Lei do Governo Feijó de 1831 que declarou livres todos os escravos fora do império brasileiro, a Lei 4 de 1835 que estipulava penas para escravos que cometeram crimes. A primeira Lei de educação do império de 1837, onde, ordenavam que o negro não pode ir à escola. A Lei 581 de 1850 que proíbe o tráfico negreiro. Outra lei como a Lei de Terras, Lei 601 de 1850 que articulou para os negros não serem proprietários de terras. A Lei 731 de 1854 que definiu punições para quem fazia tráfico de escravos, A Lei 1.237 de 1864 que considerava escravos como objeto de hipoteca e penhor. A lei do ventre livre de 1871(Lei nº 2.040) que dizia para os filhos dos negros escravizados que a partir desta data (28.09.1871), seriam considerados livres.

Seguiu-se com a Lei Saraiva de 1881 que defendia a exclusão de direitos eleitorais que para votar necessitaria ter mais de 200 mil-réis, ou seja, para votar teria que comprovar renda e assinar alistamento eleitoral, isso eliminava os analfabetos como consequência os africanos libertos, alforriados, que não poderia ter uma terra para ser sua morada e obter seu sustento, não poderia ter frequência na escola para obter conhecimento, e, não poderia ser cidadão e ter direito a participação política. Veio logo a em seguida Lei dos Sexagenários de 1885 (Lei nº 3.270) que, quem conseguisse sobreviver para ter o benefício de chegar aos 60 anos e se tornar livre, teria essa lei como se fosse uma aposentadoria compulsória pelos cruéis trabalhos realizados pelo povo negro da época.

Ao fim da jornada dos escravizados e como seria sua vida futura no Estado brasileiro, em 1888 por meio da Lei 3.353 abriu-se um caminho de libertação com a chamada Lei Áurea, mas foi o prenúncio do declínio da vida dos africanos e seus descendentes que nunca será esquecida, vista a vida de tantos africanos e africanas perdidas por mais de 388 anos de escravização.

Isso porque se deve lembrar que, não foram revistas todas as leis apresentadas, os africanos e seus descendentes ficaram sem, escola, sem terras, sem participação da vida social e dos desígnios e/ou caminhos do país, foram empurrados para fora da senzala sem condições de sobrevivência e, viram o Estado Brasileiro iniciar seu projeto institucional de relações de poder e de imposições de padrões absolvendo várias teorias e influências estrangeiras ao tratamento dado aos negros das demais e variadas nações.

Foi assim que os negros africanos e seus descendentes passaram a ser vistos a partir da lei dos vadios e capoeiras de 1890, que impunha que os que perambulavam pelas ruas, sem trabalho ou residência comprovada, iriam para cadeia. Aqui cabe a reflexão: eram mesmos livres? – dá para imaginar qual era a cor dos populosos a enfrentar as cadeias da época? – é aqui a visualização de início da teoria do encarceramento da população negra. Após a liberdade, a marginalização. O Estado Brasileiro inseriu um padrão dominante onde, com receio de revoltas, a necessidade de calar quem nunca teve voz, causar temor por partes das autoridades passou a marginalizar os libertos que passaram a executar a capoeira nas ruas das cidades onde grande partes desses não tinham trabalho e moradia. Este reflexo estava no Decreto-Lei 487 de 1890 do artigo399 ao 404.

Daí por diante o controle social feito pelo Estado Brasileiro retoma novas formas de ocupação dos espaços de poder e buscando ainda mais privilégios, impôs mais padrões em seu benefício como a Lei considerada como Lei o Boi. Outra observação importante para se registrar dentro desse resgate inicial foi que essa lei citada era uma lei de cotas, não para negros, mas para os filhos de donos de terras que conseguiam vagas nas escolas técnicas e nas universidades.

A observação que se nos faz apresentar sobre o comentário supra, retoma à lei de terras que impedia, pela situação dos negros libertos que, sem estrutura financeira obter terras somada a falta de educação acadêmica, que era um pré-requisito ser dono de terra, condicionando um padrão beneficente de ter vaga para seus filhos estudarem nas escolas técnicas, basta um pouco de atenção para perceber naquela época o desenvolvimento de padrões exclusivistas impondo privilégio de um grupo social étnico sobre os demais.

A saber temos a Lei nº 3.071, de 1º de JANEIRO de 1916, também conhecido como Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, onde asseverou que os escravos da época eram tidos como bens dos seus senhores proprietários entendidos juridicamente como bens móveis suscetíveis de movimento próprio.

A população negra somente pôde frequentar escola efetivamente a partir de 1930 por conta da frente negra brasileira, da mesma forma que pôde fazer parte do exercício de cidadania podendo votar também no mesmo ano, uma vez que caiu a legislação que afastava os analfabetos de votar onde nesta categoria estava incluídos os negros.

Tempo se passou e nada foi feito para melhoria da população negra que já passou por várias gerações dentro de tantos séculos e acontecimentos que atrasaram a vida dos descendentes de africanos que tiveram que conviver com a desigualdade social, cultural, econômica, política, jurídica e racial.

Mas o Congresso Brasileiro em 3 de julho de 1951, aprovou a Lei 1.390, que tornava contravenção penal a discriminação racial. A discriminação por raça ou cor essa lei foi titulada como Lei Afonso Arinos. A criação da Lei Afonso Arinos serviu para trazer à tona o tema “racismo”, para alertar a sociedade que racismo era crime. Mas que não obteve tanto efeito na prática, pois não havia condenação.

Em 20 de dezembro de 1985, a Lei 1.390 ganha uma nova redação que inclui entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Sendo assim, a partir dessa data, entra em vigor a Lei 7.437, apelidada de Lei Caó, referindo-se ao Deputado Carlos Alberto Caó de Oliveira, advogado, jornalista, militante do movimento negro que se destacou por sua luta contra o racismo e que foi o autor da nova redação.

A lei ainda haveria de passar por alterações, quando foi criada a Lei 7.716 em 5 de janeiro de 1989 a legislação determina a pena de reclusão a quem tenha cometidos atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Com a sanção, a lei regulamentou o trecho da Constituição Federal que torna inafiançável e imprescritível o crime de racismo, após dizer que todos são iguais sem discriminação de qualquer natureza.

Portanto, vemos muita instabilidade jurídica, tendo em vista leis que buscaram assegurar direitos, da mesma forma as legislações que tiveram força de afastar os direitos do provo negro.

Para chegar a esses campos atingidos, observamos que surgiram teorias criadas e trazidas pelo povo dominante, ou seja, os europeus, os eurocentrados, os brancos, a branquitude e seu propósito sempre foi se sobrepor ao negros e indígenas, e mesmo com tanta contribuição da negritude a esse país, a todo tempo os opressores tentam apagar, esvaziar, esquecer, apagar historicamente os feitos pelos africanos e seus descendentes e por isso, esses lutam por reparações. Assim, podemos observar as bases que criaram a discriminação social, cultural, econômica, política, jurídica e racial.

Embora, décadas após a criação e alteração dessas leis, ainda não houve tanta eficácia no cumprimento das mesmas, mas tem importante valia para o povo negro pois consolidou o início da seguridade que a população negra tem de recorrer à legislação no combate aos crimes de racismo.

Reprisamos que essa discriminação, esse preconceito, partiu de um fato gerador e, esse construído chegou através dos dados que serão vistos infra.

Dentro desse resumo histórico comparativo para podemos passar a responder sobre o motivos que levaram a aplicação de mudanças legislativas objetivando justificar medidas normativas que intensificam a punir agressores e como consequência transformar a sociedade moldando sua postura sobre as relações raciais.


CONTEXTUALIZAÇÃO: OBSERVATÓRIO DE CONCEITOS E JUSTIFICATIVAS DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NOVA MODELAGEM DE POSTURA SOBRE AS RELAÇÕES RACIAIS.


RACIALISMO X RACISMO.


Como forma de mostrar o berço da percepção de mundo, onde os seres humanos deveriam viver de forma equânime em absoluta equidade, como dito, “deveriam”, a realidade é diversa da que se contaram uma vez nos livros de histórias e contos estóricos onde nesse “mundo” as diferenças e as diversidades caminham de forma uníssona sendo solidárias umas às outras.

De propósito para contextualização de conceitos e justificativas de transformação, de nova postura sobre relações sócio raciais trazemos o conceito do que seria racialismo e racismo.

Na visão Érica Reis de Almeida define sobre a visão de Kwame Anthony Apiah no que toca a primeira palavra (Racialismo) significa que é um conceito que contempla um problema moral e cognitivo, pois se trata de entender o mundo em que exista diferenças, mas um mundo que com as diferenças podem ser respeitadas, ou seja, as diferenças não dão lugar a uma hierarquia moral de diferentes raças, mas cada um teria seu espaço e sua contribuição.

Já o Racismo, é uma formulação de conceito de racialismo que trouxe aprofundamento de questões morais e criminosas ao longo da história a exemplo de duas concepções diferentes. A primeira, o racismo extrínseco - uma manifestação quanto a distinção moral entre membros das diferentes raças por se acreditar que a essência racial implica certas qualidades moralmente relevantes e essas diferenças justificam o tratamento diferencial dado às mesmas, por exemplo, o nazismo aos judeus onde não havia razões para o holocausto se estabeleceu a ideia que os judeus trouxeram as mazelas alemães por serem moralmente inferiores foram responsabilizados. O racismo intrínseco – consiste num erro moral, pois defende a ideia que por se pertencer a uma determinada “raça” deve tratar melhor um “semelhante” em detrimento de outro que não faz parte da mesma “raça”.(Érica Reis de Almeida, O PAN-AFRICANISMO E A FORMAÇÃO DA OUA, Geógrafa pela Universidade Fluminense, e-mail eriquitareal@hotmail.com, disponível em: Revista geo-paisagem ano 6, nº12, http://www.feth.ggf.br>africa, acesso em: 29.11.2021, as 11:11h).

Como é de se esperar da história que a integralização da raças é o processo almejado para o fim das desigualdades, como que ocorre com o racialismo, o fim, foi divergente do ideal, fez o real ser visto como a máquina de poder e de imposição, construindo ideias de separação, de eliminação daquele que não se integra ao ciclo de semelhança para merecimento dos mesmos direitos e obrigações, do mesmo afeto, do mesmo pertencimento, isso é o racismo potencializado.


A POTENCIALIZAÇÃO DO RACISMO.


Quando falamos em discriminação, preconceito, desigualdade, exclusão, eliminação, genocídio, parte-se de um fato gerador e esse construído chegou através de dados que potencializaram a criação de doutrinas que utilizaram esses verbos como forma de ação, ligando questões de sobreposição e manutenção de privilégios, enquadrando causas para efeitos que repercutem nas barreiras e nos atrasos implantados para que a população negra não permanecesse num espaço em que se fortalece de direitos fundamentais como a dignidade, liberdade, igualdade, fraternidade e, até mesmo a equidade.

Tratamos disso em consequência de uma teoria ou a maior teoria apresentada na história como disseminadora de ódio a raça negra como é o caso da EUGENIA.

As relações raciais através da percepção de um mundo imaginário criado pela branquitude e suas intenções de apagamento da negritude, sempre fazendo comparações do passado com o presente especialmente, buscando informações levantadas nas duas primeiras décadas do século XXI revelando como base o que se entende como princípio ideológico para divisão entre raças.

Mas o que seria raça, o que seria etnia ou qual a diferença entre raça e etnia. Sob o ponto de vista deste que escreve, a Raça refere-se ao âmbito biológico; referindo-se a seres humanos, é um termo que foi utilizado historicamente para identificar categorias humanas socialmente definidas. As diferenças mais comuns referem-se à cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial, ancestralidade e genética. Portanto, a cor da pele, amplamente utilizada como característica racial, constitui apenas uma das características que compõem uma raça.

No que toca a Etnia refere-se ao âmbito cultural; um grupo étnico é uma comunidade humana definida por afinidades linguísticas, culturais e semelhanças genéticas. Essas comunidades geralmente reclamam para si uma estrutura social, política e um território.

A raça como fator biológico preponderante e a etnia como espaço e tempo cultural desses grupos raciais foram os alvos de discussões por estudiosos que criaram classificações das raças.

Essas classificações de raças pelos primeiros homens surgiu pela primeira vez pelo livro "Nouvelle division de la terre par les différents espèces ou races qui lhabitent" (Nova divisão da terra pelas diferentes espécies ou raças que a habitam) de François Bernier, publicada em 1684 (Silva JC Jr, organizador. Raça e etnia [internet]. Amazonas: Afroamazonas; 2005. [acesso 2009 jun 15]. Disponível em: www.movimentoafro.amazonida.com/raca_e_etnia.html).

Em 1790, o primeiro censo americano classificou a população em homens brancos livres, mulheres brancas livres e outras pessoas (nativos americanos e escravos).

Já o censo de 1890 classificou a população utilizando termos como: branco, preto, chinês, japonês e índios (Bussey-Jones J, Genao I, St. George DM, Corbie-Smith G. The meaning of race: use of race in the clinical setting. J Lab Clin Med. 2005 Oct;146(4):205-9).

Carolus Linnaeus (1758), criador da taxonomia moderna e do termo Homo sapiens, reconheceu quatro variedades do homem (Silva JC Jr, organizador. Raça e etnia [internet]. Amazonas: Afroamazonas; 2005. [acesso 2009 jun 15]. Disponível em: www.movimentoafro.amazonida.com/raca_e_etnia.html):

1) Americano (Homo sapiens americanus: vermelho, mau temperamento, subjugável);

2) Europeu (europaeus: branco, sério, forte);

3) Asiático (Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico, ganancioso);

4) Africano (Homo sapiens afer: preto, impassível, preguiçoso).

Linnaeus reconheceu também uma quinta raça sem definição geográfica, a Monstruosa (Homo sapiens monstrosus), compreendida por uma diversidade de tipos reais (por exemplo, Patagônios da América do Sul, Flatheads canadenses) e outros imaginados que não poderiam ser incluídos nas quatro categorias "normais". Segundo a visão discriminatória de Linnaeus, a classificação atribuiu a cada raça, características físicas e morais específicas (Silva JC Jr, organizador. Raça e etnia [internet]. Amazonas: Afroamazonas; 2005. [acesso 2009 jun 15]. Disponível em: www.movimentoafro.amazonida.com/raca_e_etnia.html).

Em 1775, o sucessor de Linnaeus, J. F. Blumenbach, reconheceu "quatro variedades da humanidade":

1) Europeu, Asiático do Leste, e parte de América do Norte;

2) Australiano;

3) Africano;

4) Restantes do novo mundo.

A visão de Blumenbach continuou a evoluir e, em 1795, deu origem a cinco variedades - Caucasiano, Mongol, Etíope, Americano e Malaio -, diferindo do agrupamento anterior, onde os esquimós passaram a ser classificados com os Asiáticos do Leste (Silva JC Jr, organizador. Raça e etnia [internet]. Amazonas: Afroamazonas; 2005. [acesso 2009 jun 15]. Disponível em: www.movimentoafro.amazonida.com/raca_e_etnia.html).

Em 1916, Marvin Harris descreveu a teoria da hipo descendência, útil na classificação de um indivíduo produto do cruzamento de duas raças diferentes. Nessa teoria, a criança fruto deste cruzamento pertenceria à raça biológica ou socialmente inferior: "o cruzamento entre um branco e um índio é um índio; o cruzamento entre um branco e um negro é um negro; o cruzamento entre um branco e um hindu é um hindu; e o cruzamento entre alguém de raça europeia e um judeu é um judeu". Em alguns países, uma regra de 1/8 ou 1/16 foi estabelecida a fim determinar a identidade racial apropriada de indivíduos oriundos de mistura de raças. Sob essas regras, se o indivíduo for, pelas linhas da descendência, 1/8 ou somente 1/16 de negro (preto uniforme), o indivíduo é também negro (Silva JC Jr, organizador. Raça e etnia [internet]. Amazonas: Afroamazonas; 2005. [acesso 2009 jun 15]. Disponível em: www.movimentoafro.amazonida.com/raca_e_etnia.html).

A observação acima nos remete a nos reorientar ao que Abdias Nascimento escreveu em seu livro, O Quilombismo, 2ª ed. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Palmares/ OR Editor Produtor, 2002., p.215/216, onde afirmou que, “Em consequência, o afro-brasileiro – quer seja o negro, o mulato, o moreno, o pardo, o escuro, o crioulo, o mestiço, ou qualquer outra classificação étnica ou gradação epidérmica, mas com sangue de origem africana – está condenado ao desaparecimento ditado pela sociedade dominante. Pois assim está determinado pela lógica da política racial vigente no país”.

Essa montagem destacada é para evidenciar que estas classificações tomaram partido em desmerecer a raça e a etnia dos povos africanos destacando os mesmos como preto impassível e preguiçoso.

Essa inferioridade é destacada pelo Abdias Nascimento que escreveu em seu livro, O Quilombismo, 2ª ed. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Palmares/ OR Editor Produtor, 2002., p. 215/216 que, “De um modo geral todos eles assumem pontos de vista teórico-científicos e se comportam concretamente diante das lutas promovidas pelos negros, segundo normas, modelos e definições inspiradas ou fornecidas pela sociedade dominante: uma sociedade branca ou brancóide gerada no ventre do racismo e no caldo de cultura deste imersa por mais de quatrocentos anos. Assim o racismo constitui a espinha dorsal psico-sócio-cultural que faz da sociedade convencional brasileira uma entidade intrinsecamente preconceituosa e discriminadora dos descendentes afro-negros”.

Ainda complementa sua descrição em defesa do povo negro dizendo o seguinte:

Há os reacionários que sustentam, ainda, o tão desmoralizado mito liberal-paternalista da “democracia racial”, a fórmula domesticadora e de extrema eficácia na perpetuação dos velhos conceitos sobre raça inferior vigentes no passado, devidamente transfigurados em linguagem moderna. Este truque apenas modificou a aparência verbal do racismo: na essência do conceito de inferioridade negra, tudo continuou da mesma forma. A exploração e o desprezo que as autoproclamadas classes superiores votam ao africano e ao negro é uma constante inalterável. (O Quilombismo/Abdias do Nascimento, 2ª ed. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Palmares/ OR Editor Produtor, 2002., p.213/214)”.


Essas explicitações foram apresentadas com o objetivo de demonstrar com efeitos práticos, uma ideologia que se baseou na divisão dos seres humanos por distinções biológicas e culturais, onde um grupo biológico se autodeclarou superior diante de outras raças e etnias.

Essa ideologia base para tudo que está sendo apontado no corpo desse texto, tem como nomenclatura a EUGENIA. Esta resulta em uma série de crenças e práticas cujo objetivo é o de melhorar a qualidade genética de uma população. Uma das justificativas para a existência da eugenia é a de que as raças humanas consideradas superiores prevalecem no ambiente de maneira mais adequada.

O conceito é tido por alguns estudiosos como uma filosofia social, ou seja, uma eugenia social cuja filosofia teria fins de organização da sociedade. No entanto, essa ideia não é aceita universalmente.

Essa ideologia criada na Europa, apesar de a prática já existir, o termo eugenia, palavra de origem grega que significa “bem-nascido”, foi criado pelo inglês Francis Galton, em 1883. Galton, primo de Charles Darwin, foi um cientista que tinha grande fascínio por assuntos relacionados à herança biológica. Ele acreditava que se fosse possível quantificar a hereditariedade, seria possível produzir seres humanos melhores. O conceito de eugenia humana teve uma repercussão muito grande nos Estados Unidos. Desde a Revolução Industrial, muitos camponeses migraram para as cidades com o intuito de buscar emprego e consequentemente uma vida melhor. Durante este período, os Estados Unidos enfrentaram pela primeira vez um problema de distribuição social. Além da migração dos camponeses, outra fato marcante foi a chegada dos muitos imigrantes que vinham especialmente da Europa. O conceito de Galton, na verdade, buscava manipular a genética humana para melhorar gerações futuras. No entanto, a eugenia acabou por assumir outras vertentes nos Estados Unidos, sendo considerada não só para possibilitar a reprodução de gênios (objetivo de Galton), como para evitar que pessoas consideradas inferiores e indignas de transmitir suas hereditariedades pudessem se reproduzir.

Diante dessas informações se visualizam que havia discussões sobre como as relações raciais poderiam ser conduzidas, seja de forma positiva ou negativa, assim se explica o surgimento do racialismo e do racismo.

Vimos também com isso que, a utilização de melhores habilidades (criação de gênios) abriu caminho para manifestações de impedimento de reprodução e/ou de genocídio de pessoas consideradas inferiores. Essa ideia importada da Europa para as Américas trouxe enormes consequências para o povo negro brasileiro pois como considerados seres inferiores e indignos, não poderiam transmitir suas hereditariedades, ou seja, não deveriam se reproduzir.

A eugenia é a máquina propulsora para diversas formas de separação de raças, o vetor indicativo do genocídio do povo considerado inferior, da esterilização e reprodução biológica, do clareamento da população considerada indigna, seu maior intuito fora de homogeneizar padrões hegemônicos e eurocêntricos.

É por isso que o racismo tem tanto significado quando se trata da desigualdade racial uma vez que essa desigualdade se apresenta tão explicita na diferença em oportunidades e condições de vida que ocorre em função da etnia de uma pessoa. Assim os negros, índios e mestiços - são exemplos de grupos que enfrentam desafios decorrentes de processos históricos de segregação.

É por isso que nos remeter a apontar teorias de cunho ideológico que se fizeram discutir os parâmetros das pretensões, dos padrões necessários de aceitação dentro de uma sociedade que busca exclusividade em seu melhoramento genético reprodução de gênios (objetivo de Galton) em detrimento das demais diversas biologias étnico raciais existente nas classificações ora levantadas. Por isso devemos compreender o que seria o racialismo e o racismo, já conceituado em tópico anterior.

 

O RACISMO E SUAS ESTRUTURAS.

 

Em sequência, mais uma vez objetivando ilustrar as necessidades dos afrosdiaspóricos em suas relações raciais se identificando nos aspectos políticos, culturais, sociais, econômicos, jurídicos, etc., nessa oportunidade devemos construir uma memória histórica comparativa de passagens existentes das estruturas e armadilhas criadas pela branquitude (pessoas que se consideram como brancas e superiores as demais raças/etnias) e logo observadas pela negritude (pessoas que se consideram como negras) conforme conceitos de grandes autores que defenderam no passado e ainda seus escritos defendem a extinção da separação entre raças e o processo de emancipação do povo preto por todos os territórios onde criaram raízes fora da mãe África.

Dessa forma podemos conhecer pontos de vistas analisando conceitos e aplicando na realidade dos chamados “afrobrasileiros” devido as informações reunidas nas primeiras décadas do século XXI.

Já dizia Abdias do Nascimento em seu livro O Quilombismo, 2ª ed. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Palmares/ OR Editor Produtor, 2002, p.213/214 que,


Nos objetivos e no espaço desta comunicação informal não cabe uma análise pormenorizada ou exaustiva da experiência africana e dos descendentes africanos no Brasil; estes constituem uma etnia afro-brasileira de cerca de 80 milhões de negros e mulatos dentro de uma população brasileira de mais ou menos 120 milhões de habitantes. Seja dito desde o início que os afro-brasileiros formam uma etnia encurralada pelo cerco de um sistema de pressões que vão desde o preconceito e a discriminação veladas, até as agressões culturais e/ou psicológicas, assim como se radicalizam em violências abertas de sentido econômico e de cunho policial ou institucional. Este tecido de violências sutis ou explícitas transformou o negro brasileiro em vítima de uma das colonizações internas de crueldade sem paralelo. Desde os tempos da escravidão os africanos e seus descendentes vêm sendo submetidos a uma consumada técnica de eliminação que se caracteriza na forma de implacável genocídio. Em consequência, o afro-brasileiro – quer seja o negro, o mulato, o moreno, o pardo, o escuro, o crioulo, o mestiço, ou qualquer outra classificação étnica ou gradação epidérmica, mas com sangue de origem africana – está condenado ao desaparecimento ditado pela sociedade dominante. Pois assim está determinado pela lógica da política racial vigente no país. As agressões de que são vítimas os negros se inserem nos níveis físico-biológicos, através da ideologia do embranquecimento, segundo a qual o afro-brasileiro deve se tornar cada vez mais claro na aparência a fim de obter melhores condições de emprego, melhor aceitação no relacionamento social, enfim, estar credenciado ao pleno exercício de sua condição de homem e de cidadão”.(O Quilombismo/Abdias do Nascimento, 2ª ed. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Palmares/ OR Editor Produtor, 2002., p.213/214)


Na primeira visão de estrutura do racismo encontramos numa visão social retratada, o genocídio e a ideologia do embranquecimento.

Matilde Ribeiro em seu livro, Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil (1986-2010) / Matilde Ribeiro – 1. ed. – Rio de Janeiro: Garamond, 2014, na qualidade de gestora pública federal como ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em sua pesquisa sobre Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil, faz considerações sobre o estudo e aponta observações que devem ser levadas em conta.

A pesquisadora inicia sua avaliação sobre o processo de institucionalização das políticas de igualdade racial e seus percursos tornando-se necessário discutir as raízes do racismo no Brasil, sobretudo, analisando-se a importância da construção da ideia de igualdade racial e com nesses contextos se tem dado forma de valoração da identidade negra (Ribeiro. 2014, p. 39).

O desenvolvimento estatal nas anotações da ex-ministra, com rigor, reflete a comparação histórica desde o tráfico humano ou da diáspora oriunda do século XVI até a abolição da escravatura e os acontecimentos pós-abolição resumidamente. Mesmo com toda luta travada para abolir o cativeiro o “negro” ainda aparece como feio, maléfico ou incompetente, herança de um período escravocrata.

Podemos observar com veemência, suas alegações, quando marca a ação dos povos europeus com a extrema intenção de exploração e escravização por meio da invasão através do colonialismo regional, analisemos:


É importante constatar que o Brasil, da mesma forma que a maioria dos países da América Latina e Caribe, caracteriza-se como multirracial, multicultural, multirreligioso e pluriétnico. Uma grande marca dessa região é o colonialismo, a partir da invasão europeia, como exploração de recursos naturais e o estabelecimento de trabalho escravizado – primeiro dos indígenas e depois dos africanos”. (Op.cit. 2014, p. 39).


Continua confirmando também, fatores já explicitados, o processo de discriminação e do preconceito racial, destacando entendimentos de alguns escritores que evidenciam a realidade das relações raciais no Brasil, vejamos in verbis:


[...] Carlos Hasenbalg (1992, p.52), ao analisar a região, argumenta que entre as semelhanças e diferenças dos países, é possível identificar nos posicionamentos das elites políticas, econômicas e intelectuais, sintomas do tipo latino de relações sociais, a partir da visão de harmonia, tolerância e ausência de preconceito e discriminação racial. As sociedades são consideradas como preponderantemente brancas e de cultura europeia. Isso traz como consequência o branqueamento implementado nos diversos países, por uma política de povoamento baseada na imigração. Para Maria Aparecida Bento (2002), deve-se observar que os estudos sobre a questão racial brasileira tratam-na como problema do negro brasileiro, em geral de maneira unilateral. “Ou bem se nega a discriminação racial, em função de uma inferioridade negra, apoiada num imaginário no qual o ‘negro’ aparece como feio, maléfico ou incompetente, ou se reconhecem as desigualdades raciais, como uma herança negra do período escravocrata (Bento. 2002,p.46)”. (Ribeiro. 2014, p. 40).

 

Maria aparecida bento, estudiosa citada pela ex-ministra Matilde Ribeiro em seu livro, Pactos narcísicos no Racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público, conclui que os estudos salientam sobre o branco e não abordam a herança branca da escravidão, e também não reconhecem a branquitude como geradora de privilégios que são concretos, garantindo melhores posicionamentos sociais, econômicos e políticos para os brancos em detrimentos dos negros. (op. cit. 2014, p. 40)

Salientando ainda, a evolução das questões trazidas pela pesquisadora sobre as relações raciais e as consequências para momento vivenciado pode-se observar que nunca houve proposituras de uma estrutura onde os afros brasileiros fossem salvaguardados para competir em pé de igualdade com os demais brasileiros, como ficou a colocação do afrobrasileiro no processo de desenvolvimento estatal, haja vista do fortalecimento progressivo do desaparecimento do negro como um mal para o país conciliando a crença da superioridade branca, é como entende Adailton Silva citado por Matilde Ribeiro, vejamos:


[...] As perspectivas de branqueamento como projeto nacional surgiu, no Brasil, “como forma de conciliar a crença na superioridade branca como a busca do progressivo desaparecimento do negro, cuja presença era interpretada como um mal para o país. À diferença do ‘racismo científico’, o ideal do branqueamento sustentava-se em um otimismo em relação à mestiçagem e aos ‘povos mestiços’ (Adailton Silva et al., 2009, p.21)”. (Ribeiro. 2014, p. 40)


Tendo em conta a visualização apresentada, verificando um retrocesso da evolução dos afros brasileiros no desenvolvimento do país, da labuta incessante para serem vistos como iguais tendo a mesma consideração e privilégios, ainda é crescente a existência de estudos críticos da valorização do ideal branco e da identificação da diversidade racial nas políticas públicas como forma de alteração do quadro de desigualdade social e racial. (Ribeiro. 2014, p. 40).

É com essa visão, onde as ideologias criadas tinham forma de como aniquilar o povo preto utilizando o genocídio por meio da repressão institucional e o embranquecimento como uma forma de eliminação pelo clareamento da pigmentação dérmica, esses fatores foram base para o alcance das negras e negros no que toca ao não exercício da cidadania por meio da política, a manipulação na questão da implantação econômica onde pela falta de capacitação a maior parte da população que é negra/preta não tem acesso a salários confortáveis, bem como o apagamento da identidade cultural por meio da apropriação e deslocamento dos significados tradicionais identitários por argumentações de inferiorização da origem da população considerada indolente.

Pode-se apontar que se no processo de desenvolvimento estatal a população negra nunca fez parte do planejamento estratégico do país, como pode ainda a população dizer que conquistou sua liberdade?

Daí que se consubstancia o livro do Sílvio Almeida, Racismo estrutural-- São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p.15, onde na introdução o mesmo faz destaque cirúrgico sobre a estrutura do racismo, vejamos:

Trata-se, sobretudo, de um livro de teoria social. Neste sentido, há duas teses a destacar: uma é a de que a sociedade contemporânea não pode ser compreendida sem os conceitos de raça e de racismo. Procuro então demonstrar como a filosofia, a ciência política, a teoria do direito e a teoria econômica mantêm, ainda que de modo velado, um diálogo com o conceito de raça. A outra tese é a de que o significado de raça e de racismo, bem como suas terríveis consequências, exigem dos pesquisadores e pesquisadoras um sólido conhecimento de teoria social”. (Racismo Estrutural, Almeida. Sílvio, São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p.15).


Nessa visão ainda sobre o raciocínio trazido pelo professor Sílvio Almeida faz remissão nesta introdução apresentada o seguinte alerta:


O segundo alerta refere-se ao fato de que não se pretende aqui apresentar um tipo específico de racismo, no caso, o estrutural. A tese central é a de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma, o que queremos explicitar é que o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. De tal sorte, todas as outras classificações são apenas modos parciais – e, portanto, incompletos – de conceber o racismo”. (Racismo Estrutural, Almeida. Sílvio, São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p.15).


Partindo dessa visão, mais uma vez observa-se as amarras da identidade para que iniba a ideia de diferença moral, mas com a manipulação de ações que se conserva a reprodução de formas de desigualdade na vida social, o preto nessa maneira é manipulado sem sentir e acha que a visão de padrões europeus é o padrão e que se deve seguir, sabendo que ao optar por esse seguimento se perde a identidade étnica (a cultura, a linguagem nativa e a fé) e com isso desaparece as bases sociais, culturais, econômicas, políticas e jurídicas de um povo que tem suas tradições e um conjunto de regras que delimitam suas relações individuais e coletivas. Aí merece a reflexão: Cadê a Liberdade de fato? - Ou seja, onde está o efeito formal e material da liberdade do povo negro brasileiro?

Cabe fazer um apontamento que a queima dos arquivos da escravidão no Brasil ocorreu no dia 13 de Maio de 1891, por ordem de RUY BARBOSA, então MINISTRO DA FAZENDA no dia 14 de Dezembro de 1890, um documento assinado pelo ministro anunciava a queima de todos os registros de cartório sobre compra e venda de escravos no Brasil, incluindo livros de matrícula, controles de aduana e registros de tributos. O documento também determinava que os registros fossem enviados para o Rio de Janeiro, capital da República (Barbosa, Francisco (1988). Rui Barbosa e a queima dos arquivos (PDF). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; Bernardo, João Vicente (4 de maio de 2021). «Medo do passado: quando Rui Barbosa tentou apagar a memória da escravidão.» (Online). Aventuras na História. Consultado em 10 de maio de 2021; Estadão (14 de dezembro de 2015). «A destruição dos documentos sobre a escravidão» (Online). Estadão. Consultado em 10 de maio de 2021, acesso em: 07.02.2022), onde seriam queimados com o argumento de que queria incorporar os escravos brasileiros ao projeto de modernização capitalista, que projeto foi esse mesmo?

Seguimos, assim, com os estudos sociais do Sílvio Almeida, atual Ministro de Estado Brasileiro dos Direitos Humanos, na percepção de racismo como direito que nos serve como base para desenvolver fundamentos jurídicos quando nos encontrarmos em situação constatada de violação de liberdades públicas com tema relacionado as relações raciais.

O grande autor descreve bem o direito como justiça e nos influencia dizendo:


Alguns autores dirão que o direito está contido na ideia de justiça. Aqui o direito é visto como um valor, que está além das normas jurídicas. A vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade são valores que devem ser cultivados por toda a humanidade e, mesmo que não estejam positivados – expressamente amparados por uma norma jurídica emanada por autoridade instituída –, devem ser protegidos”. (Racismo Estrutural, Almeida. Sílvio, São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p.81).


O autor explica que “Assim, uma norma jurídica que, por exemplo, viole o valor da liberdade, por mais que seja formalmente correta, é injusta e não poderia ser aplicada. Certos autores identificados com essa visão do direito, que vai além das normas jurídicas, ou até que independe delas, são chamados de jusnaturalistas, ou seja, creem na existência de um direito natural, de regras preexistentes à imposição de normas pelo Estado. Nesse sentido, a validade das normas jurídicas estaria condicionada à compatibilidade com o direito natural. O que se nota é que o discurso jusnaturalista é, antes de tudo, um discurso ético-político, que visa a dar sentido aos conflitos e às disputas de poder, especialmente no mundo pré-contemporâneo”. (op. cit. 2019, p. 81).

Já no mundo contemporâneo, são poucos os autores que se declaram jusnaturalistas, e se o fazem é para denunciar a ausência de um debate ético acerca da aplicação das normas jurídicas. Hoje em dia, a grande maioria dos autores, até mesmo por imposição das circunstâncias sociais e econômicas do capitalismo, é juspositivista, ou seja, concebe o direito como o conjunto de normas impostas pelo Estado. (op. cit. 2019, p. 81).

O jusnaturalismo teve um importante papel nas discussões sobre raça e escravidão. Muitas das justificativas para a escravidão, e para o racismo que a amparava ideologicamente, tinham como base a ideia de uma ordem natural que “fundamentava” a escravidão de determinados povos e a superioridade de outros. Portanto, leis positivas que amparavam a escravidão nada mais faziam do que espelhar uma ordem já determinada pela “natureza das coisas”, por “Deus” ou pela “razão”. (op. cit. 2019, p. 81).

Disse o autor (ALMEIDA, 2019, p.82) que “no Brasil, vale lembrar que a razão invocada por muitos juristas do século XIX para se opor à abolição da escravidão residia na necessidade de se manter o respeito ao direito natural de propriedade. E, perante o direito, escravos eram considerados propriedade privada, mais especificamente, bens semoventes, ou seja, coisas que se movem com tração própria, semelhantes a animais. Entretanto, há aqueles que, em nome do mesmo direito natural, se colocaram contrários à escravidão, alegando ser incompatível este regime com a razão natural ou com as leis de Deus”.

Luiz Gama, o maior advogado da história do Brasil, foi também o mais emblemático defensor dessa posição. Na verdade, como muito bem destaca a maior estudiosa de sua obra, Lígia Fonseca Ferreira, Luiz Gama impressiona pela vasta cultura jurídica, que aliava um conhecimento técnico assombroso do direito positivo e, ao mesmo tempo, o domínio dos meandros da filosofia política e do direito natural. Luiz Gama considerava que a escravidão não poderia ser lida como algo justo sob nenhuma hipótese, nem perante as “leis de Deus, da razão natural ou dos homens”. Os defensores da escravidão para Luiz Gama encontravam-se no mais profundo e abjeto abismo moral, de tal sorte que qualquer reação contra eles seria justa, ainda que contrária à legalidade”. (op. cit. 2019, p. 82).

Essa distinção entre o juspositivismo e o jusnaturalismo também se aponta como ideologias que cruzaram os destinos dos africanos e seus descendentes na época da escravidão, no período de abolição e pós abolição, basta uma lida em algumas legislações da época do império, do início do período republicano até os desdobramentos atuais sempre houve uma resistência da população predominante nos padrões de reconhecer a etnia preta por meio do arcabouço jurídico e quando se aprovava uma legislação positiva para população negra, os freios e contrapesos são utilizados sobre discursos ideológicos nestes campos.

Ainda os estudos sociais do Sílvio Almeida na percepção de racismo como direito que nos serve como base para desenvolver fundamentos jurídicos nos resume o juspositivismo assim dizendo:

Essa é a mais comum entre todas as concepções. O direito é, ainda que no plano científico, definido como o conjunto das normas jurídicas, ou seja, com as regras obrigatórias que são postas e garantidas pelo Estado. As inúmeras leis, códigos, decretos e resoluções, ou seja, as normas estatais, seriam a expressão do que chamamos de direito. Essa concepção do direito como norma se denomina de juspositivismo, e os seus críticos afirmam que essa visão impossibilita uma real compreensão do direito, uma vez que é um fenômeno complexo, que envolve aspectos éticos, políticos e econômicos que nem sempre estão contemplados nas normas jurídicas”. (Racismo Estrutural, Almeida. Sílvio, São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p.82).


Por isso o autor explicita que uma norma jurídica que, por exemplo, viole o valor da liberdade, por mais que seja formalmente correta, é injusta e não poderia ser aplicada. Essa concepção do direito como norma definido como o conjunto das normas jurídicas, ou seja, com as regras obrigatórias que são postas e garantidas pelo Estado, é um fenômeno complexo, que envolve aspectos éticos, políticos e econômicos que nem sempre estão contemplados nas normas jurídicas.

O autor (ALMEIDA, 2019, p.83) ainda esclarece que “as críticas ao juspositivismo são bastante parecidas com aquelas feitas às concepções individualistas do racismo. E não é uma coincidência: vimos que a perspectiva individualista trata o racismo como um problema jurídico, de violação de normas, as quais, por sua vez, são tidas como parâmetros para a ordenação racional da sociedade. Tanto o racismo quanto o próprio direito são retirados do contexto histórico e reduzidos a um problema psicológico ou de aperfeiçoamento racional da ordem jurídica de modo a eliminar as irracionalidades – como o racismo, a parcialidade e as falhas de mercado”.

Frisa o professor Sílvio Almeida, em seu livro, Racismo estrutural-- São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p.83, que “Há ainda os que identificam o direito com o poder. De acordo com essa concepção, ainda que o direito contenha normas jurídicas, elas são apenas uma parte do fenômeno jurídico, porque a essência do que chamamos de direito é o poder. Sem o poder, as normas jurídicas não passariam de abstrações sem realidade, diriam alguns autores. O poder não é um elemento externo, mas o elemento preponderante, que concede realidade ao direito”.

Para o professor Sílvio Almeida “O direito, portanto, apresenta-se como aquilo que Michel Foucault denominou como “mecanismo de sujeição e dominação”, cuja existência pode ser vista em relações concretas de poder que são inseparáveis do racismo, como nos revelam cotidianamente as abordagens policiais, as audiências de custódia e as vidas nas prisões”. (op. cit. 2019, p. 83).

Com as experiências apontadas nos levam a acreditar que as ideologias criadas para extinguir o povo preto por meio do genocídio e do embranquecimento da população preta houve uso intenso da via jurídica e esse aspecto está devidamente destacado como prova de que as instituições são responsáveis pelo uso do poder legal para determinar para onde a massa populacional negra deve ser conduzida, desde a falta de saúde básica até o encarceramento.

Entretanto, o genocídio e o embranquecimento é criação, não semente do poder político, econômico, social, cultural, mas também do poder jurídico, que nos leva a direcionar a estrutura de domínio e de opressão pela exclusão por meio de padrões pré estabelecidos de controle que determinem até mesmo quem vive e quem morre, pela estrutura legal, as normas jurídicas surge a concepção de bio poder. Aqui o direito não é fim, e sim um meio.

Quando se fala “mecanismo de sujeição e dominação”, em bio poder, não se pode deixar de apontar resumidamente o que se levantou em seu estudo sobre Necropolítica o ilustre Achille Mbembe (Necropolítica: bio poder, soberania, estado de exceção, política de morte/Achille MBEMBE; traduzido por Renata Santini. -São Paulo: n-1edições,2018)

Como dito, resumidamente, a Necropolítica é a utilização da soberania, articulação da razão política de movimentação estatal para uso da força como estado de exceção. O Estado assume o poder sob o território define razões emergenciais para quem vive ou morre, o famoso bio poder.

Como causa e efeito, divide as raças pelo estado de exceção, como a teoria do Plantation criada no período de escravização, na época a dominação pelo uso da força fez os africanos perderem no tempo a identidade do lar, do direito sobre seu corpo e de seu estatuto jurídico, ou seja, suas regras consuetudinárias, em outras palavras, perda de sua articulação política, perda da razão, perda de seu lugar de fala.

O sistema Plantation é o enquadramento da subordinação do escravo ao pertencimento de seu senhor, ou seja, a morte social do dominado, oprimido, escravizado.

Termos como, dominação, propriedade, estrutura jurídico-política, insurge formação do terror domesticando os dominados com ideologias de guerra, criação de ordem jurídica europeia.

Algumas estratégias foram usadas nesse sistema de bio poder por meio do Plantation. A primeira motivação é a negociação racial divisão pela cor da pele; o senhor conquistador – o nativo selvagem, conquistado – sendo selvagem, tratamento animal. Logo, a segunda era massacrar os nativos de colônias sem consciência que é crime com a dominação, ou seja, antes, pela escravidão, atualmente com a ocupação colonial contemporânea (dois espaços) e, por meio da teoria passada escravagista, atualmente com o imperialismo, modo de controle militar a população civil (dois tempos).

Por isso lança-se duas palavras para serem lembradas nos estudos raciais – obnubilação/obliteração.


Quem não tem passado, não tem presente, não tem futuro (O Quilombismo/Abdias do Nascimento, 2ª ed. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Palmares/ OR Editor Produtor, 2002. doc.3).


Sílvio (2019, p.87) cita Mbembe Sobre direito e raça, e ele afirma que:



[…] o direito foi, nesse caso, uma maneira de fundar juridicamente uma determinada ideia de humanidade dividida entre uma raça de conquistadores e outra de escravos. Só à raça dos conquistadores poderia legitimamente se atribuir qualidade humana. A qualidade de ser humano não era conferida de imediato a todos, mas, ainda que fosse, isso não aboliria as diferenças. De certo modo, a diferenciação entre o solo da Europa e o solo colonial era a consequência lógica da outra distinção, entre povos europeus e selvagens (MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1, 2018. p. 115)


Pode-se dizer que o direito massacrou ainda mais o povo preto brasileiro até se deparar com uma nova abordagem que promoveu diante dos acontecimentos históricos a ideia de reparação pelas atrocidades da escravização, donde alguns chamam de MAAFA – a grande tragédia africana.

Podemos aqui ainda atribuir outras legislações com marcos históricos que de certa forma trataram da população negra, dessa forma podemos citar a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, mas retornado do marco da morte de Zumbi dos Palmares em 20 de Novembro de 1695, logo após em 1710 fora destruído o Quilombo dos Palmares, a partir desta constante luta pela liberdade, algumas revoltas como: Dos Malês em 1835 na Bahia; Cabanagem – Revolta Popular do Pará de 1835-1840; Balaiada - Revolta Popular do Maranhão contribuíram em muito para o processo de abolição da escravatura.

Em continuidade, em 1850 fora proibido pela lei Eusébio de Queiróz o tráfico de escravo, com essa proibição, em 1871 instituída a Lei do Ventre Livre que proibiu a escravidão de crianças nascidas após a lei, já em 1885 instituiu-se a Lei do Sexagenário, onde proibiu a escravidão dos idosos, em seguida fora criada e posta em vigor em 1888 a famigerada Lei Áurea proibindo a escravidão no Brasil.

A luta continuou, uma vez que, em 1890 a capoeira tornou-se ilegal, neste momento foram disseminados os pensamentos racistas no país e o fomento pela imigração europeia passou a ser a força para a substituição da mão de obra e do desenvolvimento estatal. Mesmos excluídos do desenvolvimento laboral que elevava a economia brasileira os afro-brasileiros continuaram buscando seu espaço, como João Cândido um dos nomes que lutaram na revolta da chibata em 1910. A luta pela liberdade passou para um novo grau de ideal, buscava-se neste momento a igualdade de condições em qualquer situação que envolvesse seres humanos.

Em 1931 criaram o Grupo Político Frente Negra Brasileira, em 1937 Vargas decreta a ilegalidade da Frente Negra, assim sendo, para realmente mostrar de várias formas à indignação e o desconforto de não terem direitos e deveres iguais, em 1944 fora criado o Teatro Experimental do Negro, as manifestações com grande intensidade fez com que em 1951 fosse proibida a discriminação racial por intermédio da Lei Afonso Arinos, onde instituiu que constituía contravenção penal prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou cor já tratada.

Já em 1985, a Lei Caó classifica o racismo como crime inafiançável, a Constituição Federal em 1988 reconheceu a propriedade das terras aos remanescentes de quilombos, em 1966 fora também reconhecido oficialmente Zumbi dos Palmares no Panteão dos heróis da Pátria.

Mais específico, nas argumentações do professor Sílvio Almeida, dentro dessas ideias de reparação, surgiu legislações tratando da questão racial preta e indígena brasileira. “Em 1951, a Lei Afonso Arinos tornou contravenção a prática da discriminação racial. A Constituição de 1988 trouxe as disposições mais relevantes sobre o tema, no âmbito penal, ao tornar o crime de racismo inafiançável e imprescritível, disposição que orientou a Lei 7.716/89, dos crimes de racismo, também conhecida como Lei Caó, em homenagem ao parlamentar Carlos Alberto de Oliveira, o propositor do projeto de lei. O texto constitucional garante de forma explícita o respeito à diversidade religiosa – incisos VI, VII e VIII do artigo 5º –, a proteção das diversas manifestações culturais – artigo 215 –, além de estabelecer o dever de salvaguardar as terras indígenas e quilombolas – artigo 231 da Constituição e artigo 68 do ADCT, respectivamente. Por fim, a Lei 9.459/1997 acrescentou o §3º ao artigo 140 do Código Penal para que constasse o tipo penal da injúria racial ou qualificada”. (op. cit. 2019, p. 89).

A Lei 10.639/2003, que determina o ensino de história da África e cultura afro-brasileira em todas as escolas nacionais, e a Lei 12.288/2010, conhecida como o Estatuto da Igualdade Racial. E recentemente o Decreto nº 10.932, de 10 de Janeiro de 2022 que Promulga a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmado pela República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de junho de 2013. Essa legislação tem status de Emenda Constitucional por se tratar de norma sobre direitos humanos por ter sido aprovada pelas duas casas legislativas federais. Isso mudará a forma de articulação política, social, cultural, econômica e jurídica de acordo com o pensamento demonstrado do professor Sílvio Almeida.

Há muito ainda para se trabalhar em defesa contra essas narrativas já criadas no processo de colonização, inferiorização, manipulação, dominação, opressão, genocídio e embranquecimento da população negra por meio das técnicas eugenistas, hegemônicas e eurocêntricas desenvolvidas com escopo de ataque à etnia negra.

Com isso, prevalecendo a persecução de motivos que levaram a aplicação de mudanças legislativas objetivando justificar medidas normativas que intensificam a punir agressores e como consequência transformar a sociedade moldando sua postura sobre as relações raciais, é que a lei 14.532/2023 que aumenta pena de injúria relacionada a raça, cor, etnia ou procedência nacional. Então podemos estudar o Racismo e a Injúria Racial por equiparação.


O RACISMO E A INJURIA RACIAL: UMA VISÃO ATUAL DO ESTADO BRASILEIRO.


Perante o histórico comparativo de situações que marcaram e marcam história do povo preto na sociedade brasileira, a partir de dados juntados e leis que puderam ser armas como ações que afirmam reparações históricas (ações afirmativas), como a Lei que estabelece as diretrizes básicas de educação nacional, para incluir no currículo oficial de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afrobrasileira” de nº 10.639/2003, a Lei 12.288/2010 titulada como Estatuto da Igualdade Racial, a Lei de Cotas Raciais que determina que metade das vagas de instituições de ensino superior, públicas, devem ser destinadas a candidatos de escola pública sendo estes os autodeclarados Pretos, Pardos e Indígenas e, pessoas com deficiência de nº 12.711/2012, a Lei n.º 12.990/2014 cujo objetivo foi reservar vagas a negros em concursos públicos, não poderia ser diferente com a introdução de novas conceituações advindas da Lei nº. 14.532/2023 alterando significativamente a Lei nº.7716/89.

Entretanto, merece, nesse momento, de modo a instruir quanto aos delineados caminhos a percorrer quando se encontrar um cidadão ou cidadã, negro ou negra, brasileiro ou brasileira vítima de racismo e/ou de injuria racial por equiparação ao racismo.

Já é sabido que o racismo da forma mais simples se conceitua quando atos praticados por agressores atinge uma coletividade, uma comunidade, grupo étnico por conta de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. No caso da injúria racial, de forma simplificada, conceitua-se como a ofensa ao indivíduo que atinge intimamente a sua honra subjetiva, ou seja, o que ele pensa de si mesmo, enquanto a honra objetiva revela o que a coletividade entende ou pensa desse indivíduo.

Desde o dia 11 de Janeiro de 2023 com a sanção da Lei 14.532/2023 que trata da prática de injúria racial passou a ser expressamente uma modalidade de crime de racismo, de acordo como previsto na lei 7.716/89, no artigo 2-A, que comanda que “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Corremos, entretanto, para o surgimento de mais alterações. O legislador retirou do texto específico do Código Penal (art.140) a menção à raça e etnia e inseriu na lei de crimes raciais definindo pena de prisão de dois a cinco anos e multa. Até então, a injuria racial prevista no Código Penal, com penas mais brandas (penas alternativas) e algumas possibilidades de transação penal que agora deixam de existir.

Cabe lembrar também que, dentro do texto legal sobre injuria racial por equiparação a racismo não se apresenta a figura da religião que ficou com o antigo regramento penal, no título dos Crimes Contra Honra, tão somente será tratada de racismo religioso quando os crimes resultantes de discriminação ou preconceito abrange de forma coletiva em razão da religião, neste caso, não foi recepcionada a religião na lei dos crimes raciais quando um indivíduo, vitimado por palavras e/ou opiniões que lhe ofendam a dignidade ou o decoro entender que foi ofendido em razão da sua crença religiosa.

Mesmo com esses detalhas tratados, a mudança foi importante por reconhecer que a injúria racial também consiste em ato de discriminação por raça, cor ou origem que tem como finalidade, a partir de uma ofensa, impor humilhação a alguém (um homem, uma mulher, idosos/as e criança, negros e negras).

A alteração legislativa acompanha recente entendimento dos Tribunais Superiores como o STF no HC.154.248, que já vinha afirmando que o crime de injúria racial não prescreve e que poderiam ser enquadrados como racismo.

Contudo, sabemos que a função de legislar é do Congresso Nacional, ou seja, do Legislativo, detém poder típico de elabora leis, e, as formas utilizadas pelos Tribunais, que, com as decisões judiciais estariam usurpando o poder de legislar. O próprio Congresso observando os rumos jurisdicionais aprovaram a Lei 14.532/2023 tendo sido sancionada no Governo do Presidente Lula, tendo seu vigor, sua validade e existência, na data de sua publicação.

Com isso, as decisões puderam se tornar pacificadas e ninguém mais poderia utilizar de meios para discutir o que já se posicionou na Lei. E, para os que cotidianamente sofrem com as condutas aqui tratadas, tem como real conquista de mais uma ação afirmativa, de impor um regramento punitivo/educacional mudando significativamente a cultura de mais de 300 anos de inferiorização, subordinação, subalternização, menosprezo, eliminação, manipulação, exclusão de um povo que não tinha voz ativa até as leis que condicionaram a dar à população negra, a legalidade com liberdade, igualdade e, sobretudo equidade.

As maiores constatações de mudança com a equiparação estão, inicialmente, nas regras que entendemos ser processuais constitucionais, uma das alterações diz respeito a não ser mais possível àqueles que cometem o crime de injúria racial responderem ao processo em liberdade, a partir do pagamento de fiança arbitrada pelo delegado de polícia o que antes era possível. Dessa forma o crime se equiparando ao racismo tornou-se processualmente inafiançável.

Outra mudança é que a injúria racial, tal como o racismo é um crime imprescritível, ou seja, não prescreve, a qualquer tempo, independente de quando o fato aconteceu, foi gerado, o mesmo pode ser investigado e os responsáveis processados pelos órgãos do sistema de justiça e, se condenados, recebem penas previstas na legislação (Lei 7.716/89).

Uma outra mudança significativa é, que a injúria racial, tal como o racismo, sujeita ao agressor à pena de reclusão, nos termos da lei. A Lei 7.716/89, no artigo 2-A, que determina pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Isso em conformidade com a Constituição Federal de 1988 que diz que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, assim como seus objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, além de reger-se por regras internacionais que tem como princípios a prevalência dos direitos humanos, defesa da paz, da solução pacífica dos conflitos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo (CF/88 arts. 1º, III, 3º, I e IV, e, 4º, II, VI, VII e VIII).

Cabe ainda destacar que na própria Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, caput, afirma que todos são iguais perante lei e garante a liberdade e a igualdade, seguindo em seu corpo que, ninguém deve ser submetido a tortura nem tratamento desumano e degradante, que também é inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, como também, a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (CF/88 arts. 5º, caput, incisos, III, X, XLI e XLII).

De acordo com a base legal observada da Constituição Federal de 1988, confirma-se os motivos que deram força para que a injúria tivesse os mesmos regramentos constitucionais processuais de imprescritibilidade e inafiançabilidade.

Seguindo o estudo da Lei 7.716/89, no parágrafo único do artigo 2-A, trata da causa de aumento de pena quando o crime for cometido em concurso por duas ou mais pessoas.

De acordo com o artigo escrito por Ava Garcia Catta Preta e Maria Olívia Cardoso Langoni ao CONJUR (disponível em: https://conjur.com.br>202-set-18>opiniaoinjur... acesso em:11.05.2023) confirma que, “Destarte, a conduta do racismo é ampla e atinge uma coletividade indeterminada, pressupondo a segregação ou a intensão de segregar, de forma abrangente, determinados grupos de cidadãos, com base na raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Dada a sua gravidade, trata-se de crime imprescritível, inafiançável e de ação penal pública incondicionada”.

Dessa forma entendemos que o tipo aplicado como injuria racial por equiparação ao trata-se, também, dos mesmos requisitos processuais constitucionais de ser crime imprescritível, inafiançável, e, que sujeita ao agressor pena de reclusão é, também, de ação penal pública incondicionada, ou seja, quem move ação penal sobre esses casos é o Ministério Público quando toma conhecimento do fato através de um boletim de ocorrência ou de outros meios que façam chegar as notícias sobre o crime.

Assim temos, novos enquadramentos do crime de racismo e injúria racial, prevendo pena de suspensão de direitos como proibição de frequência nos espaços públicos por conta do racismo praticado no contexto de atividade esportiva, artística ou cultural, como também, causas de aumento de pena de 1/3 (um terço) até a metade para o racismo religioso, recreativo e o praticado por funcionário público.

A inclusão das qualificadoras iniciou-se a partir do artigo 20 da Lei 7.716/89.

No artigo citado (art.20) já previa que praticar, induzir, ou incitar a discriminação ou preconceito de raça e cor, etnia, religião ou procedência nacional teria pena de 1 a 3 anos e multa. Mas, se fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo e se qualquer dos crimes previstos neste artigo sendo cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza, a pena será de reclusão de dois a cinco anos e multa.

Segue o artigo estudado que se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.

Noutra banda, sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas previstas no caput deste artigo(art.20) quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas e, no caso do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência, o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas; a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.

O juiz também poderá na hipótese do § 2º, constituir como efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

Segue também as novas alterações na forma do artigo 20-A, 20-B, 20-C e 20-D, dizendo o seguinte: Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação; Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por funcionário público, conforme definição prevista no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência, e, em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor público.


CONCLUSÃO.


Observada atentamente as mudanças e seus motivos perante várias ações que afirmam a posição da população negra ao longo da história como parte integrante do Estado Brasileiro, verificado também os atrasos da liberdade e igualdade de fato e de direitos conforme as artimanhas, doutrinas, ideias que condicionaram a exclusão, o afastamento do povo negro do progresso nacional brasileiro, se identifica pelos enfrentamentos das construções ideológicas e amarras criadas pelo racismo e, agora pela injúria racial.

Por conta de tantas legislações como, a exemplo que temos de base legal, a Constituição Federal 1988, a LEI Nº 7.716/89, a LEI Nº 10.639/2003, a LEI Nº 12.288/2010 que altera a LEI Nº 7.716/89, LEI Nº 9.029/95, LEI Nº 7.347/85 e LEI Nº 10.778/2003, a LEI Nº 12.711/2012, a LEI N.º 12.990/2014, o Decreto de nº. 10.932/2022 e a LEI Nº14.532/2023, nos faz entender que sem as ações afirmativas não teríamos possibilidade alguma de obtermos acessos aos vastos espaços sociais, culturais, políticos, econômicos e jurídicos, pois se tornou necessário obter o poder de diretrizes e regras para que se exercesse a dignidade com liberdade, igualdade e, sobretudo, equidade. Dessa forma podemos responder a indagação geral que existe proteção constitucional e infraconstitucional no sistema brasileiro contra o racismo e injuria racial. Agora o que esperamos e a efetiva aplicação dessas Leis.

Dessa forma vemos que, veementemente estamos caminhando para uma nova ordem de equidades e reparações históricas.

Essa equiparação chega com o intuito de atribuir nova responsabilidade aos agressores e imposição de uma cultura de respeito absoluto sobre as demais raças e etnias, inclusive aos africanos e seus descendentes que por muito tempo contribuiu para o desenvolvimento e progresso de todos os campos citados no parágrafo anterior.

Nasceu, portanto, a Lei 14.532/2023 como uma nova regra, como uma postura de caminho retributivo/punitivo e educacional/cultural, onde os agressores a partir de então serão punidos e como consequência terão uma nova visão de imposição de novos padrões culturais, uma forma inexorável de educar a população dominante que devido a seus privilégios e padrões estabelecidos tinham como algo comum, excluir, eliminar, destruir, menosprezar, humilhar, dentre outros adjetivos negativos, o povo preto deste país.

Com isso a nova forma de convivência entre brancos, negros e indígenas necessitou dessa alteração de Lei para decretar a injúria como uma forma de racismo no âmbito da subjetividade do indivíduo agredido, admitir causas de aumento de penas, incluir qualificadoras, causas de aumento de pena quando ocorrerem em contexto de descontração, diversão e recreação e, quando for praticado por funcionário público no exercício de sua função ou a pretexto de exercê-la. Dando uma interpretação legal ao juiz em seu convencimento, de considerar discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo, ou exposição indevida, que usualmente não se dispensaria a outros grupos por conta da cor, etnia, religião e procedência (se diz isso direcionando ao grupo dominante).

Deve-se atentar que as vítimas, de agora em diante, devem estar acompanhadas de advogados ou advogadas ou defensores ou defensoras públicos em todos os atos processuais cíveis e criminais. Isso quer dizer que a nova ordem legal legitima a capacidade das vítimas de buscarem do judiciário, a responsabilidade dos agressores, pelo interesse de agir e a possibilidade jurídica de pedir reparação cível e penal.

Com essas observações conclusivas perante ao que fora mencionado sobre todo processo histórico, por vezes demonstrados que as artimanhas, as armadilhas traçadas nas legislações posicionou um profundo atraso engenhoso e vergonhoso colocando a população negra nas mais diversas situações de imposição de ínfimos acessos estruturais criados pelo Estado Brasileiro que procurou em suas relações de poder, dizer que essa populações e demais minorias estão fora do seguimento progressivo almejado pelo país.

De modo a contrariar as teorias eugenistas de genocídio, de embranquecimento, de manipulação de padrões como a servidão, subalternização, subordinação do povo preto ao povo dominante, estes que detém o poder político e jurídico foram impulsionados a tomar medidas que reparassem historicamente as condutas de crueldade impostas a população negra e, buscar ao máximo diminuir as desigualdades. Entendemos que essas mudanças não foram partidas de um princípio de que deveria haver conscientização, mas por conta de imposições internacionais ao qual o Brasil se tornou signatário em vários tratados para que os africanos e seus descendentes tivessem direitos básicos.

Esses direitos básicos é entendido como inclusão de ações antirracistas, a saber por exemplo, o SUS, Sistema Único de Saúde, uma vez que a maior população necessitada de saúde e por conta da não aquisição de riqueza e o sistema econômico é agressivo para os mais pobres, estes que se incluem à população negra, uma saída antirracista para dar igualdade de condições aos libertos e de logo marginalizados pela abolição. Bem assim a criação das escolas públicas onde a maioria atualmente é composta de pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência e, até mesmo os brancos pobres, como forma de diminuir a desigualdade educacional, uma outra medida antirracista imposta por conta de pressões internacionais.

Ainda a muito trabalho a ser realizado para que não só os princípios constitucionais da liberdade e da igualdade sejam praticadas perante as etnias, mesmo utilizando-se de outro princípio tal como o da equidade, não podemos esquecer quem somos, de onde viemos e como devemos buscar viver num mundo ideal como as legislações brasileiras nos apontam, devemos estar mais atentos ao mundo real que ainda não se aproxima do mundo ideal por conta das marcas que a desigualdade cravou sob cicatrizes em toda negritude em solo brasileiro. O Brasil, mesmo com essas medidas tomadas, ainda é um país racista e o atual governo entendeu que se deve reparar e responsabilizar os atos desses grupos racistas, para isso implantando como um novo começo ações de cunho antirracistas como essa alteração na Lei dos Crimes Raciais.

Portanto, o direito como conjunto de regras que foi utilizado como o mesmo poder de meio e como a mesma arma usada para garantir os motivos da escravidão, agora está sendo usado como meio para garantir reparação dos erros cometidos no passado a toda população negra incluindo todos os grupos minoritários por conta de suas origens e procedência nacional.


* Bacharel em Direito da Universidade Tiradentes, Advogado, Pós-Graduado Especialista em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Previdenciário, Membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE para o Triênio 2022-2024, Coordenador de Estudos Antirracistas e Afrocentrados da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE para o Triênio 2022-2024 e Membro da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/SE para o Triênio 2022-2024.


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